Ensinando meninos e meninas

É fato que as alunas e os alunos de uma mesma classe escutam as mesmas explicações, realizam as mesmas atividades e lêem os mesmos livros. Mas podemos afirmar, por isso, que recebem a mesma educação? Os ensinamentos que lhes são transmitidos estão dizendo o mesmo às meninas e aos meninos? Montserrat Moreno, professora de psicologia da Universidade de Barcelona, procurou respostas para estas questões em seus estudos relacionados à discriminação das mulheres. Os resultados de suas investigações estão no livro Como se ensina a ser menina – o sexismo na escola, obra que se insere numa produção que a autora vem publicando nos últimos anos com o apoio do Instituto da Mulher do Ministério de Assuntos Sociais da Espanha.

Moreno teve como base de sua investigação a sociedade espanhola da atualidade, mas suas conclusões têm uma dimensão social mais ampla. Ela parte de uma análise sobre a função da escola, que seria a formação intelectual e a formação social dos indivíduos, ou seja, seu adestramento nos próprios modelos culturais. Nesse contexto, estaria transmitindo os sistemas de pensamento e as atitudes sexistas, aquelas que marginalizam a mulher e a leva a ser considerada um elemento social de segunda categoria. A autora capta a presença do sexismo na linguagem, nos conteúdos das diferentes disciplinas do currículo escolar e na forma de apresentação desses conteúdos nos livros didáticos.

O hábito de pensar segundo uma concepção androcêntrica – o homem como ser humano e “masculino” no centro dos acontecimentos – estaria na origem do sexismo, o que, para a autora, trata-se de algo imensamente difícil de ser superado pela sociedade, pois a própria mulher compactua com este pensamento, sendo, na imensa maioria das vezes, sua mais fiel transmissora. A realidade que perpetua a visão androcêntrica também seria bem evidente. “É precisamente metade da humanidade que possui a força (os exércitos, a polícia), domina os meios de comunicação de massas, detém o poder legislativo, governa a sociedade, tem em suas mãos os principais meios de produção e é dona e senhora da técnica e da ciência”, avalia.

O desenvolvimento desses padrões de organização da conduta e das atividades são, por sua vez, incentivados de forma praticamente permanente pela escola, por ser uma instituição de caráter normativo. “Essas normas de conduta são adquiridas freqüentemente por vias subliminares e em etapas de nossa infância em que não temos desenvolvido nenhum mecanismo de crítica que permita colocá-lo sob suspeita”, explica a autora. Dessa forma, nos livros de linguagem das primeiras séries do ensino fundamental, palavra e desenho combinam-se perfeitamente no sentido de perpetuar o sexismo. De modo geral, são habituais frases como “Minha mãe faz a comida”, “Minha irmã põe todos os dias a toalha na mesa” e “O urso lê e a ursa limpa”. Livros que contam histórias de batalhas e heróis também refletem todos os mitos e idéias machistas. “A história androcêntrica, a história que se ensina nas classes de ensino fundamental e médio, é uma história sem mulheres, é uma história exclusivamente masculina”. Soma-se a isso outras abordagens, como a idéia de que os homens têm maior facilidade para a matemática, encontrada em muitos estudos.

“A mensagem da autora é que os fundamentos científicos que discriminam a mulher devem ser recusados pela escola, para que ela não se converta em cúmplice ideológica da ciência e rompa, assim, a cadeia de transmissão do androcentrismo”, explica no prefácio Ana Maria Faccioli de Camargo, coordenadora do Grupo de Estudos Interdisciplinares em Sexualidade Humana da Universidade Estadual de Campinas.

Montserrat Moreno também considera que, se os dogmas científicos podem ser substituídos, o mesmo pode acontecer com o pensamento androcêntrico. Daí surge uma outra face possível da escola: “Sua missão pode ser muito diferente. Em lugar de ensinar a obedecer, pode ensinar a questionar, a buscar os porquês de cada coisa, a iniciar novos caminhos, novas formas de interpretar o mundo (…)”.


Livro: Como se ensina a ser menina – o sexismo na escola
Autor(es): Montserrat Moreno. Tradução de Ana Venite Fuzatto e coordenação de Ulisses Ferreira de Araújo
Editora: Moderna / Unicamp
Páginas: 80
COMO CITAR ESTE CONTEÚDO:
MENEZES, E. T. Ensinando meninos e meninas. EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 1999. Disponível em <https://educabrasil.com.br/ensinando-meninos-e-meninas/>. Acesso em 29 mar. 2024.

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