O prazer da Matemática

“Não há mais prazer no aprendizado”. Essa é a opinião de Luiz Barco, professor titular da ECA (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), sobre o grande erro no ensino da Matemática. Assessor da secretaria de Educação da Prefeitura de Jacareí, membro da Academia Paulista de Educação e da Associação de Humanidades da Europa, Luiz Barco é um dos idealizadores do Arte & Matemática, série de 13 programas que procura relacionar as duas áreas do conhecimento humano pela Estética, com estréia prevista para 14 de novembro, na TV Cultura.

Nessa entrevista bastante reveladora sobre a educação, Barco afirma que ler um poema de Fernando Pessoa faz muito bem para o “espírito matemático”. Aliás, faz mais bem do que estudar um caso de fatoração. Ele também conta como surgiu seu interesse pela Matemática e sugere uma orientação a fim de deixar as aulas mais atrativas.

Qual foi sua participação no programa Arte & Matemática?
Luiz Barco — Fui procurado pelo Sadek (José Roberto Sadek), que era assessor de um projeto de educação a distância em Brasília e sabia que eu fui autor e apresentador da aula do Tele-Escola da TV Cultura, que ganhou o primeiro prêmio da NHK japonesa. O Sadek foi meu aluno na ECA (Escola de Comunicações e Artes da USP). Ele me procurou e eu disse algumas idéias sobre educação e matemática. Contei também que tinha me encafifado a idéia de que quem faz ciência está mais próximo da Matemática e quem faz arte está mais distante. Eu achava que na ciência, não só na Matemática, existe uma estética essencial e que um dia alguém teria coragem de fazer um programa de televisão voltado para a beleza da ciência. Quando eu escrevia na Superinteressante, uma das propostas que fiz para a Abril, na TVA, foi a de transformar alguns dos meus textos em programa de televisão, tentando mostrar a parte bonita da construção científica.

Poderíamos dizer que o senhor foi o inspirador do programa?
Luiz Barco — Acredito que sim. Recebi um telefonema da TV Cultura dizendo que o Sadek havia indicado meu nome. Fui chamado, num primeiro momento, para um programa que identificasse figuras na pintura. Mas eu disse que um programa que busque figuras matemáticas na arte vai ser estúpido. Então falei sobre o sentido estético da ciência. Tentei mostrar que todo matemático vê beleza numa demonstração. Há uma lógica interna muito interessante. Enfim, todo mundo pensa na estética de um quadro, de uma música, de uma sociedade e, às vezes, não percebe que há uma estética intrínseca na ciência.

No capítulo sobre derivadas do livro Cálculo I, de Serge Lang, temos os teoremas e as demonstrações. Numa das demonstrações, temos três asteriscos ao lado, como um jogador de xadrez, quando faz uma grande jogada e põe três exclamações para dizer que é um lance excepcional. Lang diz ainda, em baixo, “aprecie por favor a beleza e a elegância dessa minha demonstração”.

Eu diria também que a natureza, de alguma forma, foi construída e o arquiteto dela usou uma linguagem que tem a Matemática em sua sintaxe. O que faz o artista é o mesmo que faz o matemático, o físico ou o biólogo: eles fazem uma leitura da natureza. Além disso, algumas das grandes teorias científicas não têm essa visão utilitarista que os livros e os cursos passam. Acho que o pensamento científico é uma busca do prazer estético.

Como surgiu o seu interesse pela Matemática?
Luiz Barco — Minha mãe era de origem portuguesa e meu pai morreu muito cedo. Ela só me deixava ir para a rua depois de ler duas páginas de alguns poucos livros que tinha lá em casa. Lia e me explicava algumas coisas interessantes. No meio desses livros, havia uma obra de um bom professor de matemática português chamado Bento de Jesus Caraça. Há, dentre suas obras, um livro delicioso que a Gradiva (Lisboa) acaba de reeditar com o título Conceitos fundamentais da matemática. É um livro para uma tarde de Sábado, como se fosse um romance, porque ele não faz Matemática. O que ele faz, na verdade, é contar uma história bastante lúdica e alegre da Matemática. Então, com 5 ou 6 anos, minha mãe me alfabetizou.

No Brasil, muita gente fala mal do Malba Tahan, dizendo que ele não foi matemático e que era apenas professor de matemática. Mas acredito que o livro O homem que calculava fez mais bem para a Matemática do que um monte de tese de doutorado de matemáticos que nem cupim come ou lê. Não estou contra a Matemática pura pois a considero fundamental. Mas uma idéia de ensino de Matemática que sempre me encantou é aprender pela alegria de aprender e não porque é necessário.

Na sua opinião, qual o maior equívoco que a escola comete no ensino da Matemática?
Luiz Barco — Acho que ninguém ensina, nem escola nem professor. O professor deve ser um grande organizador e a escola deve mudar um pouco o seu paradigma para favorecer a descoberta. Certas coisas bem simples que deram tempo para você descobrir nunca mais se esquece. No entanto, certas coisas que aprendemos, se ficarmos um mês sem usar, precisamos aprender novamente.

Eu diria que a escola ficou muito pragmática e confunde conhecimento padronizado com descoberta. Talvez, devêssemos jogar fora 80 % dos conteúdos escolares e permitir que os 20% essenciais fossem descobertos, para que o aluno possa construir o conhecimento. Mas nós somos considerados como uma caixa para colocar muitas coisas e assim são feitos os currículos. Ao invés de olhar como uma caixa de informação, deveríamos descobrir o indivíduo com uma capacidade de emulação.

Por que aprender logaritmo se vai ser advogado? Por que ouvir Bach? (Johann Sebastian Bach) Porque Bach alimenta e exercita uma calistenia para o espírito, assim como a visita ao museu, a apreciação de uma obra de arte ou de uma pintura. E esse desenvolvimento é o mesmo que acontece com a descoberta da Matemática. O professor devia, como a natureza, apresentar para a criança uma série de quebra-cabeças. A descoberta do quebra-cabeça é o aprendizado. Quebra-cabeça não só no sentido de curiosidade, mas de formação jurídica, do estamento social, cultural, religioso e ético.

Podemos dizer que roubaram o prazer. Qual o grande erro no ensino da Matemática? Roubaram o tesão, ou seja, não há mais prazer no aprendizado. Eles (os alunos) perguntam para que serve e não quanto de alegria vai ter sendo capaz de desenvolver determinado problema. Tem gente que odeia Matemática, mas corre para o jornal fazer quebra-cabeça, palavra-cruzada… Ler um poema de Fernando Pessoa faz mais bem para o espírito matemático do que estudar um caso de fatoração.

Que conselhos poderia dar aos professores de Matemática a fim de desenvolver um ensino mais prazeroso?
Luiz Barco — Eu diria para o professor ler a história da Matemática. A história da ciência é um estímulo extraordinário. Aconselharia construir os conceitos muito mais na linha histórica do que numa linha prática ou pragmática. Como os homens de todas as áreas pensaram? Qual é a necessidade histórica que levou o homem a querer saber por que a maça e a pena de galinha caem na mesma velocidade? Que tipo de indagação? Que tipo de ética? Que tipo de estética? Que tipo de sonho ou necessidade humana estavam envolvidos em alguns conceitos? Eu diria que a história é um poderoso auxiliar para motivar a criança.

COMO CITAR ESTE CONTEÚDO:
MENEZES, E. T. O prazer da Matemática. EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2001. Disponível em <https://educabrasil.com.br/o-prazer-da-matematica/>. Acesso em 19 mar. 2024.

Comente sobre este conteúdo: